- sua casa fica no mar, na vila, no prédio, no mato, no cume?
- sua casa é quente, é fria / onde é mais quente, onde é mais frio?
- que é que fica perto da sua cabeceira – os livros, os óculos, os medos, os vícios?
- seus vizinhos, você os conhece? você é gentil com eles – eles com você?
- quem limpa sua casa? quem vive em sua casa? há quanto tempo sua casa é sua casa?
- você cozinha em sua casa? o que você come em sua casa?
- que é que você faz na sala e não faz no quarto?
- você escova os dentes no banheiro ou transita enquanto os esfrega?
- o que de ordinário guardam suas gavetas?
- você organiza as estantes? com quais critérios? "
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Pontogor Pontogor
Data: 1 de julho de 2011 10:35
Nem sei se era pra responder isso, mas como estou em uma casa completamente nova para mim me sinto impelido a escrever. Tudo aqui será passageiro e, portanto semi-ficcional.
Tenho cama. Meu colchão é um pouco menor que o estrado e sobra um espaço do lado direito que virou minha cabeceira. Os mosquitos são um problema e para não ser atacado coloquei uma vassoura entre a cama e a parede para todas as noites prender um lençol por cima de mim fazendo o papel de mosquiteiro.
Minha casa fica no limite de uma cidade de porto, sendo por isso meio mato, meio mar/rio.
Minha casa é quente de dia e fria de noite. Meu quarto é bem quente e a biblioteca é bem fria. Todavia, a parte mais quente da casa é a sala do aquecedor central, que fica no porão. As pessoas usam essa sala para colocar as roupas que acabaram de ser lavadas.
Os livros ficam na minha cabeceira, mas ultimamente escrevo mais do que leio.
Os únicos vizinhos que tenho aqui são os outros moradores da casa, pois a minha casa é a única nessa parte da cidade. Somos mutuamente gentis.
Um homem limpa a casa uma vez por semana (como não falamos a mesma língua eu não o conheço bem), mas sou organizado e nunca é necessário que ele limpe a cozinha do meu andar ou meu quarto.
Vivo aqui a duas semanas.
Eu cozinho todos os dias e por isso as comidas variam bastante. Arroz com brócolis, hambúrguer, berinjela refogada, macarrão a Bolognese...
Como yogurte natural todos os dias e bebo água com gás.
Temos muitos comodos aqui na casa e eu escolhi o porão como minha sala. Lá eu gravo sons e toco bateria.
Infelizmente aqui eu escovo os dentes parado dentro do banheiro. No andar onde o banheiro se encontra não tem nada de interessante pra mim.
Uso uma única gaveta e guardo sacos plásticos dentro dela.
Tudo muda o tempo inteiro em minhas estantes, mas papéis impressos recebem maior dedicação na organização. Estão sempre enfileirados e empilhados por ordem de produção, sendo os mais recentes os primeiros a serem vistos.
--
http://pontogor.blogspot.com/
lml
demarta mestre
"Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.
Digamos que descobrimos amoras, a corrente oculta
do gosto, o entusiasmo do mundo.
Descobrimos corpos de gente que se protege e sorve, e o silêncio
admirável das fontes –
pensamentos nas pedras de alguma coisa celeste
como fogo exemplar.
Digamos que dormimos nas casas, e vemos as musas
um pouco inclinadas para nós como estreitas e erguidas flores
tenebrosas, e temos memória
e absorvente melancolia
e atenção às portas sobre a extinção dos dias altos.
Estas são as casas. E se vamos morrer nós mesmos,
espantamo-nos um pouco, e muito, com tais arquitectos
que não viram as torrentes infindáveis
das rosas, ou as águas permanentes,
ou um sinal de eternidade espalhado nos corações
rápidos.
- Que fizeram estes arquitectos destas casas, eles que vagabundearam
pelos muitos sentidos dos meses,
dizendo: aqui fica uma casa, aqui outra, aqui outra,
para que se faça uma ordem, uma duração,
uma beleza contra a força divina?
Alguém trouxera cavalos, descendo os caminhos da montanha.
Alguém viera do mar.
Alguém chegara do estrangeiro, coberto de pó.
Alguém lera livros, poemas, profecias, mandamentos,
inspirações.
- Estas casas serão destruídas.
Como um girassol, elaborado para a bebedeira, insistente
no seu casamento solar, assim
se esgotará cada casa, esbulhada de um fogo,
vergando a demorada cabeça para os rios misteriosos
da terra
onde os próprios arquitectos se desfazem com suas mãos
múltiplas, as caras ardendo nas velozes
iluminações.
Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas.
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros –
comovidos, difíceis, dadivosos,
ardendo devagar.
Só um instante em cada primavera se encontravam
com o junquilho original,
arrefeciam o reto do ano, eram breves os mestres
da inspiração.
- E as casas levantavam-se
sobre as águas ao comprido do céu.
Mas casas, arquitectos, encantadas trocas de carne
doce e obsessiva - tudo isso
está longe da canção que era preciso escrever.
- E de tudo os espelhos são a invenção mais impura.
Falemos de casas, da morte. Casas são rosas
Para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança
Nos abandona para sempre.
Casas são rios diuturnos, nocturnos rios
Celestes que fulguram lentamente
Até uma baía fria – que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.
Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza."
Herberto Helder
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