Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
Casa e suas adjacências – jardim, muro, mobiliário, caracol, tapete, cozinha, etc.

BLOG DO PROCESSO

DIÁRIO POLIFÔNICO
CASA EM OBRAS










Mlle. Paradis

...

Mademoiselle Paradis não aceita que o Concorde tenha ultrapassado a velocidade do som. Pensa que, se assim fosse, dentro d'aeronave não escutaríamos nada. E se diz (num tom Sherlock Holmes) : il y quelque chose que ne colle pas dans cette histoire. Le mur du son, quelque chose que t'entraîne.

Mademoiselle Paradis, que será sempre jovem porque sempre amada e sempre amante, não se importa com os grandes feitos da humanidade. Não se engloba no apocalipse, no pé do Neil Armstrong, na lepra, no cosmos, perguntando assim : qu'est-ce que c'est l'esthétique de la disparition?

Mademoiselle Paradis caminhando pelo pavimento, pedindo lincença, est-ce que je peux passer avec toi?

Mademoiselle Paradis arregalando os olhos enquanto pede um sandwich : mais qu'est-ce qu'on peut faire, alors? J'ai faim et je n'ai pas de sous. O garçom que deita o mal humor por terra, embrulha e dá, sorrindo, um jambon crudité.

Je sens plus que je pense, diz Mademoiselle Paradis. A sua lógica é outra lógica, onde "logos" se faz "logis" e, logo, logement.

Mademoiselle Paradis não acredita na violência. Gandhi e Martin Luther King - aqui - não são só what a wonderful world.

Eu sorrio e me enervo. Adoraria poder ver Paradis nadando - nos seus olhos a mistura de névrose et sommeil - um reflexo.

Eu lhe encho de beijos e de cócegas ligeiras dizendo que são mosquitos em torno de uma lâmpada. Observo um dos seus seios e, para ver melhor, movo o seu braço esquerdo em várias posições.

Ela diz que ça c'est la poésie et l'enchantement. Quel cosmos de plus?

A gente dorme - eu contra o muro - e ainda assim ela não puxa o meu cobertor.

la poétique de l'espace - bachelard

/ NOTAS / EM TORNO DE / FRAGMENTOS / SOMAS / SONHARIAS /

A CASA :::

à la porte de la maison qui viendra frapper?
une porte ouverte on entre
une porte fermée un antre
le monde bat de l’autre côté de ma porte
(Pierre Albert-Bibot)

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A travers les souvenirs de toutes les maisons où nous avons trouvé abri, par delà toutes les maisons que nous avons rêvé habiter, peut-on dégager une essence intime et concrète qui soit une justification de la valeur singulière de toutes nos images d’intimité protegée?

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Dans toute demeure, dans le château même, trouver la coquille initiale...

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La maison est notre coin du monde.

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Tout espace vraiment habité porte l’essence de la notion de maison.
Todas as casas a casa.

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a lembrança da casa possui seu valor devido à sua imagética. ela não é uma lembrança concreta. ela é sempre sonho (= mistura de imagem e memória). impossível terreno para o historiador. porque atempora. diante da casa natal somos sempre poetas. “e nossa emoção traduz, talvez, uma poesia perdida”.

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o bem mais importante da casa : protejer o sonho, o sonhador, nos permetir sonhar em paz.
a casa natal envolve o sonho e o penetra.
o sonho habita a casa. e a casa habita o sonho. para sempre.

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um berço, um ninho, uma concha.
a casa “multiplica conselhos de continuidade”. sem ela o homem seria um ser em pura dispersão. a casa nos defende das tempestades. ela é corpo e alma. antes de ser jogado no mundo o homem está no berço da casa. o lugar de antes, o antes-da-queda nos habita e muitas vezes o esquecemos, falamos de uma nostalgia de algo que, na verdade, está em nós, que não sai, algo fixo, enraizado, como a casa - lugar primevo, paraíso não tão perdido. (onde predomina o pessoal e não o individual).

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metafísica consciente : do lado de fora. dehors. Homem num mundo hostil.
metafísica inconsciente : do lado de dentro. dedans. Homem num mundo hostil pensado a partir do homem do bem-estar e não a partir da queda.

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dentro do ser. ser do dentro. calor. envolvimento.
“o ser reina numa espécie de Paraíso terrestre da matéria, fundido na doçura de uma matéria adequada.”

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plenitude. característica maternal da primeira casa. a casa natal.


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geografia de nossas memória-sonhos-pensamentos de acordo com a casa. corredor, cave, banheiro, quarto dos pais, etc.
"c’est par l’espace, c’est dans l’espace que nous trouvons les beaux fossiles de durée concrétisés par de long séjours. l’inconscient séjourne."

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o fixo do inconsciente, a casa que a psicanálise pretende desfixar.
uma crítica à psicanálise que vê o homem a partir da queda e não da concha.

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a paixão e a solidão desejadas. o tédio desejado.

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mais do que uma exteriorização do eu no lugar, bachelard busca uma interiorização do lugar no eu.
a topoanalise é assim uma topofilia.

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não se descreve a casa da lembrança. seria como fazer visita-la.
devemos mantê-la num “estado de leitura em suspenso”.

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caminhar no escuro pela casa natal, sem necessidade de luz para se guiar.
a volta depois de vários anos e a repetição dos primeiros gestos. a casa natal gravada no nosso corpo.
sentar-se na janela. o barulho da madeira do armário de licores. a cama da minha mãe. a mata por detrás, de noite. a madeira do chão. a campainha. sempre a mesma. o sofá, por detrás do pano novo, sempre o mesmo.

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todas as outras casas vêm da casa natal. o “hábito” é uma palavra usada para expressar essa ligação passional de nosso corpo que não esquece a casa inesquecivel.

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étudier, comme nous annoncions plus haut, page 35, les centres de condesation d'intimité où s'accumule la rêverie.

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a cabana que eu fazia de colchões.

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a casa escura. vazia. a casa que virou floresta.

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a madeira. a árvores que conecta os níveis (o céu, a terra, o subterrâneo).
a pedra fundacional.

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sair da casa por um lugar inusitado, sem portas, sem luz do dia, sem rua, sair da casa pela escuridão da cave. explorar a cave. (dimitri e uma lâmpada).

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o subterrâneo da casa. a cave. as outras caves contíguas. os prédios que nos circundam. imaginar seus subterrâneos. (a ausência de sótão faz dessa casa um lugar mais frio).

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quanto mais frio o inverno. mais suave, mais amado será o ninho.
"l'hiver augmente la valeur d'habitation de la maison."

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a luz do meu quarto penetra o teu.
a luz do teu quarto que me desperta.

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a casa-terror (guy de maupassant).
a casa tomada (cortázar).
os ambientes fechados do palácio da memória.

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a casa nunca pode ser só descrita, geometrizada.
os quatro cantos de um quarto são os quatro cantos de todo um universo.
"la maison remodèle l'homme."


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todos os espaços que amamos se desdobram, se remodelam, se expandem. o centro de nossa intimidade se faz ubiquidade.

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rené char rêve "dans la chambre devenue légère et qui peu à peu développait les grands espaces du voyage.

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a atração aérea da qual sofre todo elemento terra.
a casa que voa. a casa que é vento.

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et je m'endors , bercé par les bruits de Paris (1).

seguir da planta da casa
para o interior
do preto e branco
para a cor

+

entrar em sintonia quer dizer
ligar a rádio na hora e ver a música que toca

+

deixar o vento varrer tudo,
abrir a janela, 
e ver levantar as capas dos livros
as páginas re-viradas 
e ver voar os sacos plásticos
os tufos de poeira
as cinzas dos cinzeiros
escutar portas distantes que batem
baldes de alumínio que caem nos jardins dos vizinhos
que alimentam pombos...

+

o centro é ubíquo

+

BACHELARD - a poética do espaço.
a casa como casulo. como caracol. como ninho. 
a minha avó se baseava muito nos escritos do bachelard. tanto na química quanto nas artes plásticas.
vou pegar na biblioteca.
os nomes dos capítulos já me dizem muito.
- la maison. de la cave au grenier. le sens de la hutte.
- maison et univers.
- le tiroir. les coffres et les armoires.
- le nid.
- la coquille.
- le coins.
- la miniature.
- l'immensité intime.
- la dialectique du dehors et du dedans.
- la phénoménologie du rond.

o foucault depois vai dizer que se interessa mais pelo espaço que fica do lado de fora. e complementa o pensamento do bachelard com a sua reflexão em torno da heterotopia, espaços outros, conferência-base para o que depois será a geofilosofia.

de um lado o inconsciente do dedans, do outro o inconsciente do dehors.
e daí pensei na fobia. o medo do lado de fora. de dormir na rua. o escuro. o frio. a violência. e o lado de dentro (que também possui seu lado aterrorizante, quando a casa começa a ganhar vida). e neste sentido roman polansky (the tenant, repulsion, the rosemary's baby) e a casa fechada do cortázar.

PEREC - espèces d'espaces.
fala de tipos de espaços - enumerar, classificar, pensar, esgotar.
e começa com:
- a página.
- o quarto.
- o apartamento.
- o imóvel.
e depois sai : - a rua. - o bairro. - a cidade. - o campo. - o país. - a europa. - o mundo. o espaço.
num movimento que começa com a letra no branco e termina com o planeta e com a abstração do espaço (talvez aí a gente veja a origem judía do perec - que pode ser também peretz).

BETA - a palavra beta vem de "casa" - se não me engano em fenício (em grego significa 2).
"CASA BETH BETA Β  β B b 
A letra B vem do pictograma egípcio que representa uma casa mediterrânea de teto 
achatado. A palavra semítica que significa casa, é BETH, origem da letra grega b."
vem de um desenho que antes descrivia uma espécie de espiral quadriculado (de caracol -www.dalete.com.br/saber/tabela.pdf ), remetendo ao labirinto e ao oikos (casa).

(alpha, por outro lado, significa touro. e se pensarmos bem, "alphabeta" é uma palavra que em si só nos serve como uma espécie de ideograma que expressa a lenda do minotauro no labirinto.)

Norbert ELIAS - o processo civilizador.
tem um texto maravilhoso sobre a casa como extensão do corpo. do quarto como uma exteriorização do nosso inconsciente.
vou achar.
(é legal ver essa outra linha, a da história dos costumes.)

(casa e corpo. banheiro como santuário do corpo. aquele texto sobre os sonacirema do Horace Miner.)

ELIADE 
- imagens e símbolos.
lembro do eliade falando da pedra fundamental ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra_fundamental ).
a casa como centro do universo. 
e é incrível como até hoje no juazeiro do norte eles têm o ritual de refundar a casa (me esqueci o nome da festa). cada casa tem um dia. o dia em que foi posta a pedra fundamental. um dia e um santo. nesse dia, todo ano, a casa é "refundada", o santo comemorado. porque todo centro do universo está associado, de alguma forma, a uma cosmogonia e a uma volta, uma re-criação (re-presentação do tempo original) do mundo.
os principais centros do universo são de três tipos :
- o corpo. associado à casa. (seja uma caverna - na montanha - ou uma tenda - no deserto).
- a árvore cósmica. com seus galhos. suas raízes.
- o menhir. a primeira arquitetura (origem do templo, da coluna). a pedra dançante ("peripatos", que significa caminhada, ambulância, itinerância, mas também coluna ou colunata). o ponto de encontro (entre as estradas, os territórios). ka (de onde vem karnak - no egito - e carnac - na inglaterra) = o princípio da errância. mercúrio.

centro é aquilo que une os níveis (os daqui uns com os outros, e os daqui com os-de-lá [más-allá/au-delá/além, e em italiano, que é lindo: al-di-là] ).

segundo os astecas: cérebro conectando-me ao céu (mundo dos deuses). coração à terra (mundo dos homens). fígado ao subterrâneo (mundo dos mortos).

sendo que o corpo, para os astecas, possui, como a casa (e o mundo), quatro cantos e um fogo no meio (o fogo que brilha nos meus olhos, o fogo que vemos através da janela, o fogo que alumia o cosmos). os quatro cantos do mundo e o espírito que os anima. o mundo como uma casa, como um corpo. corpo/casa/cosmos.