Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
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Assim que eu me levanto

Assim que eu me levanto (às quatro e meia, cinco horas), pego minha tigela na mesa da cozinha. Coloquei-a na véspera, para não mexer muito na cozinha, para reduzir o ruído de meus movimentos.

Continuo fazendo assim, dia após dia, menos por hábito do que para recusar a morte de um hábito. Ficar em silêncio não tem mais a menor importância.

Ponho um fundo de café em pó, da marca ZAMA filtro, que compro em grandes vidros de 200 gramas no supermercado FRANPRIX, em frente ao metrô Saint-Paul. Pelo  mesmo peso, ele custa quase um terço a menos do que as marcas conhecidas, Nescafé, ou Maxwell. O próprio gosto é claramente um terço pior do que o nescafé mais grosseiro não liofilizado, que já não é lá essas coisas.

Encho minha tigela na torneira de água quente da pia.


Levo lentamente a tigela para a mesa, segurando-a entre minhas mãos que tremem o menos possível, e sento-me na cadeira da cozinha, de costas para a janela, em frente à geladeira e à porta, em frente ao sofá, feio e vazio, que está do outro lado da mesa.

Na superfície do líquido, arquipélagos de pó marrom tornam se ilhas negras bordadas de um lama cremosa que se afundam lentamente, horríveis.


Penso :  E junto a paus a flux / o horrendo creme.

Não como nada, bebo apenas a grande tigela de água mais ou menos morna e cafeinada. O líquido é um pouco amargo, um pouco caramelizado, pouco apetitoso.


Engulo-o e fico um momento imóvel olhando, no fundo da tigela, a mancha preta de um resto de pó mal dissolvido.




Jacques roubaud

tradução de  Inês Oseki-Dépré

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