Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
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7 - A BOCA DO LIXO - DIÁRIOS SP

Pontogor Pontogor



para bcc: mim


SP26032012 - 14H45

Em outra passarela...
Músicos, cerveja, carão...

Com uma voz calma e cheia de dúvida.
- Um autógrafo? Eu não sei, é que falaram que hoje poderia ser complicado.
Ele olha para uma das mulheres que o acompanhavam e fala suave e distraidamente:
- Autógrafo?
Ela responde que pode ser melhor quando ele estiver sentado na sala mais reservada.

Olhos completamente distantes e pequenos.
Os traços no papel pareciam de mãos trêmulas. Hesitante mão que fizera aqueles traços em pinturinhas penduradas nas paredes.

Alguém fala e ela ouve entre ouvidos:
- Ele é puro e não tem maldade. Está muito além do mundo, está muito além de qualquer coisa. Fora do mundo.

Ela falou.
- Que sacanagem era isso. O cara tava na galeria justamente pra se esforçar pra estar no mundo, pra estar dentro.

Me desconecto completamente daquilo tudo e bebo. Vamos a um restaurante chinês com música ao vivo. Um grupo sertanejo toca no meio do salão enquanto as pessoas gritam iiiiiiIIIIIIIIRAAAAAAAAAAAaaaa
!
O cara do violão tinha sapatos de couro vermelhos, com bico fino. Sapato bolado.

- Vamos dançar?
Esbarramos e quase caímos diversas vezes sobre as pessoas.
- Não sei se te levo ou você me leva.
- Me leva você.
Eu não conseguia nem levar minha cabeça para uma real compreensão daquilo tudo.

A ressaca é amenizada quando meus cadernos, livros, guitarra e câmera não estão dormindo na minha cama.

No dia seguinte um almoço, uma exposição, uma pista sendo re-aberta.

MADAME SATà 

Luzes

Desço as escadas e ao tocar o piso plano vejo as pilastras e as pessoas que se movimentam passando de um lado ao outro. Deste lado algo como um corredor leva a uma escada do lado oposto a que desci. Do outro lado dos pilares um ambiente pouco maior.

A fumaça densa toma todo o lugar, preenche os espaços entre pessoas. Tudo que existe ali são pessoas, fumaça, luz e som. E não vejo quase nada. O cheio lembra minha adolescência. E esbarro nas pessoas para conseguir andar.

Um único ponto de luz que pulsa fortemente.
Aquela sensação já experimentada.
Muito fresca em minha memória
Dessa vez giraram o botão até o dez.

Pequenos cortes na fluidez dos movimentos.
Vejo imagens estáticas que reverberam em minha retina.
E são substituídas por novos stills

Tudo é escuro mesmo quando iluminado
As paredes, o chão, o teto
As pessoas estão de preto
Couro negro, cabelos pretos

Os movimentos congelados
Os olhares, os gestos.

Estou chapado (mas não tomei nada). Não consigo me adaptar ao ambiente e movimento meu corpo com os olhos semicerrados. Movimento meu corpo para de alguma forma inserir-me ali, falando para mim mesmo que agora as coisas são dessa maneira. Aquilo é a realidade. Stills, calor, esbarrões. Meus pés vibram involuntariamente e aproveito esse estímulo para movimentar o resto do corpo e olho na cara das pessoas que parecem concordar com tudo da mesma forma que eu estou me esforçando para tal.
Caminho desnorteado até um espaço desconhecido, bato em uma parede abaixo de onde o ponto de luz está colocado. Dou meia volta e não consigo reconhecer pessoas. Formas em constante reorganização. Pontos claros me permitem ver um braço, uma cabeça. Os cabelos espalhandos pelo ar sem movimento. Massas estáticas.

Graves, gritos, noise, distorção. A bateria eletrônica me indica a velocidade de minhas passadas. Não paro de mover meus tornozelos com isso meus pés respondem a outros estímulos sonoros, se somando. Torções verticais das minhas pernas fazem meu corpo gira mesmo que minha cintura contrarie as posições dos ombros.
Dos quadris para cima os movimentos normalmente são bem diferentes, se relacionando a outros instrumentos ou a voz.
Uma quebra brusca na música, uma pausa. E todo o corpo se freando suavemente, sem querer parar. O giro dos quadris vai se alongando bem devagar esperando uma nova indicação saída das grandes caixas de som. E muitas vezes é preciso uma contração dolorosa para dar conta do que bate nos meus tímpanos. Todo meu abdômen se enrigisse. O pé, para passada ou outra, se arrasta gastando o lado de cima do tênis no chão. A constante readaptação devido ao contato com outros corpos que se relacionam com aquilo tudo de forma independente. Em uma onda completamente própria. Minhas costas tocam uma mulher magra que involuntariamente desenha uma linha diagonal em meu corpo usando seu ombro. Isso me empurra suavemente para um giro em sentido horário me re-localizando. Olho para ela que também se viu obrigada a variar seus movimentos por conta da colisão. Em algum momento durante a leve vibração de cordas de guitarra dois movimentos horizontais das cabeças fazem com que, em um piscar da luz estroboscópica, eu veja uma fotografia de seu rosto completamente de frente para o meu. Olhos lindos com contorno grosso e negro. Os movimentos, como a música seguem e no segundo seguinte estamos em total escuridão e no segundo seguinte já estamos de volta aos nossos mundos de distrações individuais.

- Ela não para de olhar pra você.
- Pode ser pra você. Acho que não importa muito..

Voltando pra casa seis da manhã encontramos Aline que não sabia quanto custava o delicioso Uzi que comemos horas antes. Ela está trabalhando naquele restaurante a quinze dias, está a três meses em São Paulo.

- Mas está voltando do trabalho agora?
- Na verdade fui em casa dormir três horas e estou indo para o outro emprego, na padaria. Depois volto para o restaurante.
- E faz isso todos os dias?
- Tenho uma folga na segunda, na padaria. Folgo teça no restaurante.
- Porra, você dorme três horas por dia?
- Sim, pois tenho que ir pra igreja ainda.
...
- Vocês podem seguir por aqui que chegarão no metrô.
- beijos.



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