Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
Casa e suas adjacências – jardim, muro, mobiliário, caracol, tapete, cozinha, etc.

BLOG DO PROCESSO

DIÁRIO POLIFÔNICO
CASA EM OBRAS

4 - A BOCA DO LIXO - DIÁRIOS SP







SP07032012 - 19H47

Mais que tudo... Andar e andar.
No meio, ou antes, um desfile de moda, um desfilar de egos.

O ônibus lotado andava devagar seguindo a Vinte e Três. Tentava lembrar de que lado estaria meu ponto de referência, mas como tem acontecido frequentemente eu salto no lugar certo e o metrô me leva para onde eu queria estar. Ligo mas não é preciso. Tudo rola naturalmente e dezenas de bicicletas estão paradas entre os dois sentidos da Avenida. Como uma esfirra, fazendo hora, ouvindo as explosões da bomba de Hiroshima. Tudo isso pouco antes dos maiores sucessos de karaokê.

O desnecessário desfile.

Parecendo uma balada e acho realmente que era. Cerveja paga, todos cheirosos e brilhantes (cintilantes). As pessoas se cumprimentam e olham uma sala com um "estande de vodka", toda azul e cheia de movimento. Me falam que é uma coisa roubada de outra que também me parece uma porcaria pela definição. Todo resto é uma série de distrações ou me distraio e nada vejo. O lugar é enorme como qualquer grande boate cheia de ambientes.
Cumprimentos, cumprimentos, telefones trocados, troco tudo, o espaço dele abriu e fechou, mas como eu saberia?
Falamos sobre qualquer coisa e o clássico e óbvio resultado é um banco de praça na periferia da euforia com três pessoas falando mal de tudo e certo mal humor.

Voltando para o bar o garçom me pergunta se quero mais uma Brahma e queremos mesmo sabendo que não deveríamos. Tarde de mais e coxinha requentada às microondas. Um babaca derruba duas vezes uma cadeira de ferro e altas horas o celular era como um peixe agonizando no chão frio e molhado enquanto um grupo de bichas e minas feias, estudantes de arte aos berros cantando os clássicos do lixo.

Andar, andar e andar (dessa vez por questões práticas)

Frio, sono e nenhum transporte. Ideias idiotas e propostas pouco razoáveis que não levavam em consideração todas as questões de ordem maior. Frio, e nenhum transporte. Andar três ou quatro passos para um lado, voltar, encostar na grade, frio, frio pra caralho e meus braços sem muita gordura pareciam picolés.

- Vamos andar, vai ser melhor... Andando não sentiremos frio.

Com as pernas ocupadas a vida voltou a fazer algum sentido mesmo que não fizesse muito caminhar àquela hora. Descendo a Avenida Rebolças infinitamente... As árvores do canteiro faziam uma espécie de arco cobrindo parte do céu, a ladeira era uma decida suave que sugeria uma improvável volta. E nada daquilo deveria ser familiar, nada a não ser discutir sobre a beleza do canteiro central da Avenida.

- Não, não existe a possibilidade de isso ser bonito.
- Mas é bonito pra caralho.
- Não acredito que está falando isso.

Enquanto a Rebolças me levava gradativamente para mais e mais longe do lugar onde eu deveria ir. Não havia transportes e por mim era coerente ir pra qualquer lugar apenas para mover as pernas e olhar a rua vazia. Quando fosse possível eu iria pra casa.

As árvores e o canteiro não tinham nada de especial, como tudo que nos rodeia. Quem inventa qualquer tipo de beleza somos nós.

Quando eu era muito pequeno via em minha memória (minha memória fantástica de criançá) a imagem de um corredor de árvores que faziam um arco sobre minha cabeça e era como caminhar dentro de um túnel. As árvores eram muito grandes e eu muito pequeno. Suas copas massivas cobriam o céu quase que completamente e não sei se era dia ou noite. Outra memória que se confunde com essa é a de uma árvore dentro de um salão. Algo como um salão de festas com uma árvore de tronco muito grosso no meio. Não sei se ela era de verdade, mas de qualquer forma parecia com um desses brinquedos de playground. Não tenho a menor idéia se essas memórias são inventadas.

As árvores e o canteiro eram incrivelmente atraentes pra mim. E escutar que elas nada tinham de bonitas só ajudava meus olhos a enxergarem que eram muito mais bonitas.

O caminho não acaba, mas o frio tinha desaparecido sendo repelido pelas besteiras que se fala quando o caminho é longo. De repente um lugar relativamente familiar, uma avenida que poderia me levar pra casa, mas nenhum ônibus.

Parados na parada o frio reapareceu junto com o sono e o cansaço. A espera não foi exatamente longa tendo em vista todo o tempo que já tinha passado. Pego um ônibus que só me leva para mais longe em um plano nada lógico de ir até o ponto final de uma das linhas de metrô e de lá voltar no primeiro trem do dia.

No meu caminho pra casa o melhor café com leite (já adoçado ao modo insanamente paulistano) e pão na chapa...

Eu tinha ouvido músicas muito bregas que me amarro antes de sair de casa...
And it's something quite peculiar
Something shimmering and white
Leads you here despite your destination
Under the Milky Way tonight

Seis da manhã eu chego cansado e ela está acordada com os olhos vermelhos, lendo. Os gatos estão meio dormindo. Na TV vejo um coincidente capítulo de uma série que começo a me amarrar... Logo nos primeiros minutos:
“...você atravessa a cidade debaixo de chuva; você pegaria um ônibus; você entraria num taxi; você deixa seu carro no estacionamento e atravessa a cidade. Você sabe que atravessou a cidade; você sabe que fez todo o caminho...”

Tudo parece fazer bastante sentido.


--
http://pontogor.blogspot.com/
lml




 ASSAS DE ICARO.





  
ARROZ LENTILHA BOLA DE CARNE BATATAS.

Nenhum comentário: