SP14032012 - 23H23
- Ok vamos embora. Está tarde.
- Sim, vamos.
Subimos a rua e nos separamos. Uma para a direita, dois seguiram em frente e dois ficaram do mesmo lado da calçada.
- Por que eles seguiram? Você não tem que ir com eles?
- Não. Eles foram na frente porque quiseram. Sei lá? Eu não tenho que ir agora. Vamos que espero seu ônibus.
O ônibus passou, ela não entrou e eu não questionei.
- Meu ônibus passou.
- Eu vi.
- Será que ainda conseguimos tomar uma cerveja?
- Vamos! Vamos tomar uma cerveja.
- Avisamos a eles?
- Tudo bem, vamos atravessar a rua e avisar que irei depois.
O bar estava fechando e tínhamos que voltar para o ponto antes das duas. Tomamos uma cerveja enquanto falávamos da clássica briga entre “razão e a fé” ou seria consciência e falta de noção, ou ainda pensar ou não pensar.
- Tá certo, agora não temos o que fazer. É terminar esse copo e voltar para o ponto.
Dessa vez ela não poderia perder o ônibus. Me emprestou uma jaqueta verde oliva, misto de Che Guevara com Paquita, que coube perfeitamente e se foi. Eu atravessei a rua e sentei. Olhei o relógio que marcava 02:00 e pensei que se nenhum transporte passasse até duas e quinze eu iria a pé. A decisão foi tão simples que cheguei a ficar ansioso para sair logo daquele lugar.
02:15
Avenida Paulista x Rua Augusta.
Me levanto naturalmente e sai andando. Penso que seria lógico seguir mais ou menos pelo caminho que acreditava saber que o ônibus fazia. O caso é que eu não me lembrava que caminho era só tinha pegado esse ônibus uma vez, além do mais poderia dar mais voltas que o necessário (insano pensamento, já que não tinha a menor ideia de porr nenhuma). A única coisa que eu sabia é que a casa estava para o sul. Eu fiz parte desse caminho de carro uma única vez e nos perdemos pra caralho até chegar.
Eu fui andando e virei à direita quando me deu na telha, Rua Pamplona. Sigo em direção aos Jardins. Descida tranquila e ninguém pelas ruas, temperatura agradável com a jaqueta salvando minha vida. Começo a sentir uma estranha euforia que se estenderá por todo o percurso. Sei que tenho que ir reto até o Parque Ibirapuera, mas não tenho certeza se essa rua vai até ele. Continuo andando e andando.
02:40
O telefone toca.
- Alô.
- Como está?
- Estou bem, chegando perto do Parque Ibirapuera.
- Está indo a pé?
- Sim.
...
- Não tem muito como errar depois que chegar na República do Líbano.
- Tudo bem. Vai dar tudo certo.
Chegando na rua Estados Unidos eu cometo meu primeiro deslize. Tive a sensação de estar virando muito para oeste e pensei que poderia pegar essa rua e andar um pouco para esquerda. No fundo no fundo não estava completamente errado, mas a velocidade da minha caminhada me fez passar um pouco e quando me dei conta estava indo em direção ao lado leste do parque. Começo então a voltar contornando-o para a rua que segue pelo lado certo. Chego no meu segundo ponto de referência a Avenida República do Líbano. Uma estranha névoa, o vazio, as árvores do Parque e o silêncio cortado eventualmente por carros espaçados. A névoa e as árvores davam um tom fabuloso, minha mente solta criando qualquer tipo de imagens para significar aquilo. A jaqueta fez uma diferença muito grande e me sinto bem com ela cobrindo minha fina camisa azul de botões. Fico com muita vontade de bater fotos dessa paisagem, mas meu filme tinha terminado no bar. Não conseguimos bater uma foto da vitrine de salgados bizarros. O cara do bar era gente boa. O Vital. Ele fez um fígado fresco acebolado bom pra caralho e antes disso falou suavemente com Luísa:
- Com licença, mas a senhorita tem mais de dezoito anos, não é?
A mulher dele abre o bar e ele fecha pontualmente meia-noite. Com a simpática saideira já mandando a galera vazar.
Percebo que dali em diante eu não faço a mais vaga ideia de como chegar. Essa primeira parte era bem óbvia, mas agora eu não tinha certeza de nada. Me sobraram dois cigarros e um eu acendi para fumar enquanto via aquela neblina incrível. Ele já tinha acabado quando tomei a decisão de seguir reto a continuar a curva do Ibirapuera. Nesse momento estava na altura de Moema e entrei na rua que mais parecia a certa. Eu poderia ter economizado uns quinze minutos de tivesse seguido reto um pouco mais.
Essa estranha rua me levou lentamente até a Avenida Santo Amaro e já me sentia em casa, pois a partir daquele ponto não existia mais a possibilidade de me perder. Foi uma longa caminhada até chegar em casa. Vendo todo aquele lixo e paradas de ônibus de concreto. Uma pequena ponte e por cima dela eu via a Avenida dos Bandeirantes toda tranquila com seu fluxo de carros da madrugada. A mureta do pequeno viaduto era bem baixa e senti uma leve vertigem. Esse momento me lembrou do meu encontro com Ícaro no dia anterior, após receber um e-mail sobre Churras no Minhocão.
Achei massa nego fazer um churrasco na rua e pilhei total. Acordei tarde e nos falamos por telefone. Peguei o metrô e fui até a estação Marechal Deodoro. Saio na rua e vejo o enorme viaduto (que me lembrou a Perimetral) com a idéia clara de seguir por baixo dele até o ponto marcado no convite. Nesse momento começa a chover como se ligassem um interruptor. Porra, pelo menos eles estão em baixo do Minhocão. Vou andando e percebo que a pista de subida está fechada e por conta da chuva um bando de pessoas desce correndo para se proteger. Aquilo era inesperado, mas fez sentido já que o estranho desenho do convite parecia indicar por cima e não por baixo.
Aquela chuva escrota me faz entrar em uma padaria para comer uma fatia de pizza e tentar falar com Ícaro, que chega completamente encharcado logo depois de eu paga a conta. Não tinha muito que fazer. Subi com ele e caminhamos até o churrasco debaixo de uma chuva que não parecia querer parar. As pessoas estavam lá, uns poucos gatos pingando de molhados e certo clima de forçar a barra. Parecia melhor continuar um rolé naquele monstro de concreto que por pouco não invade alguns apartamentos.
Cena completamente louca.
Comento:
- Caralho. É muito absurdo essa porra ficar fechada para pedestres... Idéia incrível.
- É como o Aterro do Flamengo no Rio.
A chuva não pára e não sabemos exatamente onde vai dar nosso rolê. Estamos encharcados, calças jeans pesadas e camisas grudadas. Meu cigarro parece ainda servir para alguma coisa, mas meu isqueiro não acende. Achamos uma saída e caminhamos até o Copan onde tomamos um café e fingimos nos secar com uma toalha que a garçonete emprestou.
- Como estão molhados... Muito molhados...
Na verdade ficamos molhados até ir pra casa de noite. O cigarro resistiu bem diferente do caderno de anotações que agora parece uma flor.
04:00
Campo Belo.
Pouco menos de duas horas andando e eu chegava em casa. Contente como uma criança.
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lml
AV. PAULISTA
ROUPAS
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