Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
Casa e suas adjacências – jardim, muro, mobiliário, caracol, tapete, cozinha, etc.

BLOG DO PROCESSO

DIÁRIO POLIFÔNICO
CASA EM OBRAS

curioso


Photos From Around the World of Families and Their Possessions


http://flavorwire.com/205437/photos-from-around-the-world-of-families-and-their-possessions/2

heaven and earth




I enjoy the simple pleasures of wellbeing,
independence, opportunism,
eating, dreaming, happenstance,
of passing through the land
and sometimes leaving (memorable) traces along the way,
of finding a new campsite each night.
And then moving on.





Morro Azul


O terreno era curvo e repleto de inclinações. O primeiro que me vem à cabeça é o pé de graviola. Graviola não, acerola. As frutas enormes juntavam passarinhos ao redor do pé. Me lembro também do milharal perto da quinta, da vertigem de montar pela primeira vez, e depois o mato e as framboesas pelo caminho.

Uma vez um raio caiu dentro da casa. E digo “da casa” e não “de casa” porque a casa não era minha. Vi do corredor. Caiu no banheiro e ela dentro. Ela no banho e de repente um clarão. Parece mentira, mas o banheiro tinha justo o espaço do raio e da criança – um do lado do outro entre os ladrilhos brancos. E foi tão rápido e barulhento que ela saiu surda e cega – nós ali olhando sem dizer nada, a casa vazia. Ela veio do banheiro sonâmbula, foi pra cama, se cobriu dos pés à cabeça e ficou lá no casulo. No dia seguinte já não se lembrava. No dia seguinte foi ela que nos tirou dali.

Era uma menina de sardas e cabelos encaracolados. Família da Tijuca, ele do Leme, eu da Gávea. Me lembro uma vez apostamos quem ia conseguir dar um beijo nela primeiro. De repente era de noite, eu num dos quartos lia a história do Saci pra outra criança quando a porta : posso entrar? O arrepio foi ver ela vir ouvir a história do meu lado. Ela já tinha peitos e eu estava quase encostando. Mas logo no final, quando a criança já dormia, ele entrou dizendo que tínhamos que ir, que ele tinha visto um fogo voando no meio do jardim. Eu sabia que não veríamos nada além de vagalumes, mas me levantei mesmo assim, talvez até aliviado enquanto ele sorria esperando com a mão na maçaneta.


***


E na volta o resto do dia nos fundos, diante da porta brincando com as antenas, ainda que o medo das Vermelhas. 1956. Era quinta-feira de lava-pés quando o príncipe disparou no seu irmão caçula. Detrás da casa a pistola era presente do Franco – o tiro entre as sobrancelhas não se sabe se acidente. O morro apinhado de formigueiros de onde a trilha até o chão da área. As Marias Pretinhas (ou Vagabundas) tinham desenhado uma linha invisível com várias camadas de feromônio – versão obreira sem asa do Caminho de Santiago. E com pinças e fósforos raptávamos duas, deitávamos antenas fora, e emborcávamos um pote de vidro sobre elas. Encerradas no Coliseu não se reconheciam. Sem as antenas não podiam se cheirar, e se tocavam sem se tocar, se estranhavam, e começavam a luta. Cortavam as patas uma da outra, uma por uma, às vezes se suspendiam no ar, e ganhava a que tivesse mais membros no final – a não ser que surgisse uma tão forte que logo zás! cortava a cabeça da outra. Depois escurecia e os restos eram classificados. De um lado as cabeças, do outro corpos, patas e finalmente antenas, tudo amontoado em cemitérios de formigas e ao lado o pote vazio que refletia agora uma luz artificial.


***


Cavo ainda mais fundo e surge algo embaçado. Uma casa de pau-a-pique no meio da estrada mais acima, um morro, uma velha senhora falando kimbundu, uma dinda esclerosada que já ninguém prestava atenção ninguém tinha –, aquela imagem queimando no cachimbo. Ela sentada olhando de cima pro nada – nada?, falando lé com cré – nada de nada?, como é que será que morreu – será que morreu?

gavetas








casa minha casa
tanto que te quero ter
fumar um cigarro Plaza
e depois morrer

(primeiro verso de um poema que fiz aos nove. ainda me impressionam o peso e a consciência que as crianças têm.)






This place needs me here to start
This place is the beat of my heart





the garden





And I have seen her there within
her house,






.






She would like some one to speak to her,
And is almost afraid that I
will commit that indiscretion.


Uma idéia de museu








http://www.forumpermanente.org/



Romana, nascida em 1914, Lina teve toda a sua formação no que podemos chamar era do fascismo: na infância, como "balila" de Mussolini; na juventude universitária e como arquiteta recém formada - durante a guerra - como membro da resistência comunista.
A guerra foi a marca que carregou durante toda a sua vida, e de onde tirou, continuamente, forças para enfrentar dificuldades, derrubar barreiras, e pensar que a vida é vida sempre por um fio, e que portanto só se deve pensar e fazer aquilo que é fundamental, imprescindível, vital. Daí Lina tirou seu profundo senso objetivo e poético ao mesmo tempo.
Em 1946, casa-se com o marchand, crítico de arte, jornalista e polemista, P.M.Bardi, e embarca para o Brasil numa viagem de passeio.
Lina já conhecera, na escola de arquitetura, os projetos modernos dos brasileiros Lúcio Costa, Niemeyer e grupo, sobretudo o Ministério da Educação e Saúde, com a participação de Le Corbusier, e o Conjunto da Pampulha, de Niemeyer: - "Era fascinante e novo, livre. Rompia com a rigidez racionalista", dizia ela.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o casal Bardi é convidado por Assis Chateaubriand, magnata das comunicações e grande realizador, a ficar no Brasil para criar um Museu de Arte, que acabou sendo fundado em São Paulo.
Lina fica fascinada com a arquitetura que florescia com liberdade, com a paisagem tropical, com o verde, com um país que não tinha ruínas, nem as da guerra e nem as históricas. Impregnada de entusiasmo, vinda de uma Europa destruída pela guerra, assim refletia sobre um museu no Brasil:
"Um recanto de memória? Um túmulo para múmias ilustres? Um depósito ou um arquivo de obras humanas que, feitas pelos homens para os homens, já são obsoletas e devem ser administradas com um sentido de piedade? Nada disso. Os museus novos devem abrir suas portas, deixar entrar o ar puro, a luz".
Sem abrir mão da formação racionalista (defensora ferrenha do movimento moderno), com sua enorme erudição, Lina mergulha no mundo brasileiro para projetar um museu nos trópicos, para um povo novo, mestiço “sem o peso e as amarras do passado”- costumava dizer.
Com esse ideário nasceu o Museu de Arte de São Paulo. Primeiramente num antigo edifício do centro da cidade reformado por Lina e, posteriormente, em sua atual sede, à avenida Paulista.

Do primeiro Museu, na rua 7 de Abril, ao segundo, definitivo, Lina , com um projeto arquitetônico revolucionário, leva a cabo suas idéias sobre museus, desde a organização dos espaços até a maneira de expor.
O edifício do Museu de Arte de São Paulo é um marco da arquitetura moderna brasileira e, como tal, deve ser discutido. Mas creio que, hoje, discutir sua relação com a cidade, com o espaço em que está inserido e seu significado simbólico para a população paulista - e porque não, brasileira - é mais importante do que fechá-lo no discurso arquitetônico, muitas vezes hermético e inócuo.
No Brasil, a grande maioria de nossas cidades ainda carecem de um mínimo básico de conforto urbano, no amplo significado do termo. São cidades ofendidas e maltratadas. Não temos transporte público adequado, habitação, áreas públicas, parques, áreas verdes, praças, espaços de encontro; enfim, não temos planos urbanos nem de longo e nem de médio prazo.
É no contexto dessas carências que devemos analisar o significado de certos projetos pontuais: sua capacidade transformadora no ambiente urbano e sua capacidade de mudar mentalidades. A importância do MASP fica muito mais evidente se o consideramos na ótica da cidade caótica que é São Paulo. Quando digo MASP, digo não somente o edifício, mas o programa do museu como um todo.
Arquitetura, para Lina Bo Bardi, era o meio concreto de agir sobre a realidade, de revelar, criar ou modificar contextos. A arquitetura do MASP é, para além do edifício, uma idéia de Museu.
Com uma importantíssima coleção de arte, implantado num dos pontos mais importantes da cidade, o museu representa um oásis em meio ao deserto arquitetônico que o circunda, salvo 4 ou 5 edifícios em toda avenida Paulista. Oásis também por acentuar o vazio - o espaço livre e democrático do Belvedere, acessível a todo cidadão, rico ou pobre, suprindo assim uma de nossas maiores carências: a falta de espaços públicos; Oásis por sua baixa taxa de ocupação e sua implantação adequada à topografia, ao contrário de todos os outros edifícios da rica avenida Paulista: os grandes bancos, grandes empresas, enormes edifícios agarrados ao solo, cercados de grades, sem um metro quadrado de espaço público.
As cidades são representadas não somente, mas principalmente, pelos seus edifícios. O edifício do Museu foi eleito pelos cidadãos de São Paulo como um de seus símbolos máximos: a imagem que escolhemos para nos representar. Isso não é pouco. A arquitetura que fica para contar ou testemunhar a história da humanidade é aquela que mantém algo de sagrado, no sentido de respeitável, de depositário de crenças, devoção, ou representante do imaginário de um povo: símbolo de uma gente, de uma época. E o MASP é isso. Dentro dessa cidade de vida dura e opressiva, a população elegeu uma imagem que é, em grande parte, o seu avesso, uma imagem que representa a esperança em uma cidade mais humana. Esse corpo estranho na gigantesca cidade é o ponto de referência para os encontros mundanos e cívicos, para namoros e protestos políticos - como por exemplo, na recente derrubada de um presidente da república. A arquitetura revolucionária de Lina Bardi não só foi aceita, mas adotada pela população de São Paulo. E com muito carinho.

Dito isso, podemos circundar e adentar o edifício.
Situado em um terreno com 4 frentes, o edifício não tem fachada principal. Quem o vê pela Avenida Paulista não pode imaginar que ele se duplica no subsolo, criando a surpreendente fachada oposta, de uma construção em terraços e jardineiras, ancorada na encosta, com a vista para o vale da Avenida Nove de Julho. É a quebra da dureza do objeto suspenso – o corpo superior, tenso, que desafia a gravidade. Entre estes dois corpos, o grande vazio que parece sustentar acima a grande caixa e comprimir para o subsolo o corpo inferior do museu.
Do ponto de vista da química, isto seria algo como uma enorme diferença de pressão, onde o gasoso é capaz de isolar dois sólidos. Como se trata de pura arquitetura, onde técnica e poesia se aliam, é o desafio, a ousadia humana que lá está. A conquista do “nada”, como dizia Lina, ou o desejo de liberdade. Lina sempre se referia ao comentário do compositor John Cage quando viu pela primeira vez o MASP: “É a arquitetura da Liberdade !”.
Essa busca de liberdade, ou o desafio de sua procura, continua em cada espaço, cada gesto do projeto do museu. Ao descermos ao subsolo, como em uma estação de metrô, ao invés da escuridão, da falta de ar, encontramos a luz, cristalina, filtrada pelo verde das floreiras, e a vista livre sobre o vale. Isso se deve à inteligente e bem acertada implantação do edifício na paisagem, como já me referi anteriormente. Saber tirar partido do contexto, seja ele físico ou abstrato, sempre foi uma das qualidades de Lina Bo Bardi, que gostava de citar F. L. Wright: “em todo projeto, as dificuldades , as limitações são nossos maiores amigos, são as dicas para as boas soluções”.
Ainda no subsolo do edifício, os auditórios são inovadores em termos de aproveitamento e desenho do espaço. O menor, com os assentos inclinados na diagonal do quadrado, e o maior, com seus palcos laterais, seu despojamento e versatilidade, que permitem os múltiplos usos que os espaços cênicos contemporâneos tanto necessitam.
Os espaços do Museu são espaços amplos, abertos, de refinada simplicidade, que suportam todo tipo de intervenção nas exposições, guardando sempre o ar de liberdade da boca de uma grande caverna.
Se subimos do nível da Avenida Paulista, do enorme vão livre, para a caixa suspensa, encontramos ainda aí e com força total, a vontade de liberdade: um grande “oceano de pinturas”. Os quadros se libertam das paredes e flutuam em cavaletes de concreto e vidro utilizados como suporte/ expositor: lembrança do cavalete do atelier do artista, que mostra o verso, as costas da tela, muitas vezes com preciosas anotações. O nome do quadro e do autor também ficam nas costas, para que o público não se sinta obrigado a gostar deste ou daquele quadro, apenas pelo nome do autor. "Oh! É um Picasso! Lindo!". Não, o espectador é livre para gostar ou não, e também para criar as relações que quiser dentro deste verdadeiro "varal" de pinturas de várias épocas. Em visita ao MASP, o arquiteto holandes Aldo van Eyck perguntou: “Quem sabe qual é o melhor fundo para um Cézanne? Branco, cinza, rosa? Eu poderia achar que é um El Greco, ou um Goya”..
Um museu sem paredes. Lina citava Maiakovski: “Chegou a hora de jogar as pedras, os projéteis e as bombas nas paredes dos museus”.
Uma grande família de artistas que não são separados, nem no tempo – na classificação ocidental da arte – e nem no espaço. Convivem bem e, se pudéssemos perguntar, certamente teríamos um Picasso orgulhoso de ter ao seu lado um Goya. Ou um Matisse que divide o espaço com um Rafael. Só a América, o Novo Mundo, poderia admitir uma coleção exposta desta maneira. No Brasil, mistura de Europa Ibérica, África e Oriente - no que herdamos dos índios -, podemos ousar novos caminhos que não o eurocêntrico.

Queremos sim todas as conquistas tecnológicas, científicas e culturais do Ocidente, mas as utilizaremos ao nosso modo. Assim é o museu: a técnica de ponta, as conquistas da arquitetura moderna, a importante coleção de arte ocidental, a serviço de uma visão nova de Museu. Um museu que, ao ser pensado, concebido e projetado, leva em conta a cultura brasileira no que ela pode ter de mais belo: a vontade de ser livre, o combate à submissão e às regras importadas.
É o Museu descolonizado. O Museu do Novo Mundo, que luta contra o complexo de inferioridade, nossa pior herança da colonização e da escravatura.
Esta é a idéia de museu que nos interessa. Uma idéia força, veículo portador de um desejo, de um sonho materializado em forma, a serviço do Homem e das relações humanas.
Talvez, toda arquitetura assim o devesse ser.



Marcelo Ferraz

São Paulo - Setembro/99







Texto originalmente publicado em O Estado de S. Paulo, em 02/01/2004

Marcelo Ferraz é arquiteto e dirigiu, de 1992 a 2001, o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Atualmente trabalha no projeto de um shoping center que contém um grande teatro de estádio no Bairro do Bixiga, junto ao Teatro Oficina.


invento


. . . = R O M Ã










A M O R = M O R A



















[ she can never be sure ]



It used to be your town





It used to be my town, too


céu =

























no mar estava escrita uma cidade

















Francis Bacon





A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana.

Incidentes, Roland Barthes





Um jovem trigueiro, camisa creme-de-menta, calças verde-amêndoa, meias alaranjadas e calçados vermelhos, visivelmente muito macios.


                                                                      ***

Diante de um barbudo que está dançando, o primo do Rei me informa: é um filósofo. Para ser filósofo, diz ele, são necessárias quatro coisas: 1) ter licenciatura em árabe; 2) viajar muito; 3) manter contato com outros filósofos; 4) ficar longe da realidade, à beira do mar, por exemplo.


                                                                      ***

Um jovem negro como empoado de branco (blanc de noir) com um anoranque rutilante.



                                                                      ***






                                                                      19

in










Tarefa I - Leticia Parente


alegoria da chegada


((quando você chega todas as luzes se acendem))

Le Gros et le maigre (The Fat and the Lean) - Roman Polanski - 1961

A Nova Inquilina




Dela só sei dos objetos, uma foto com chapéu, alguns livros de pintura, muito Julio Cortázar e, até certo ponto – e temo que isso venha a se tornar um passatempo um tanto contumaz –, me satisfaz saber que ela existe, em calcinhas para lavar e pontas de cigarro, nada mais, até aqui.

Não saber de sua pele me dá a chance de navegar por suposições agradáveis. Será que ela inclina levemente a cabeça para a direita quando sorve o café – adoçado ou puro? Poderíamos, fico imaginando, nos comunicar perfeitamente em códigos ausentes, diagnose do sentido, feixe de imagem improvisada?

Confesso: gostaria muito que ela deixasse as calcinhas penduradas na torneira do chuveiro, depois de lavá-las. Não exatamente por fetiche, mas por segurança. Talvez haja algo de maternal nessa vontade: é provável.

As coisas foram se acumulando pela sala, como um corpo desaparecido que habita os confins de uma intimidade violada mesmo antes de se estabelecer. É tudo muito confuso. Ela anda, bebe líquidos, acumula pequenos bibelôs, tem jeito de quem gosta de ter carinhos sutis com objetos pequenos.

Mas, preciso dizer mais diretamente sobre o caso, estou desfalecendo por causa desse impasse cortaziano: o saber que se está no que não se pode ainda ver, rodar esquisito em volta do tema sem tocá-lo, no entanto, em fogo, aí está a doença do descobrimento forjado e aí está o prazer máximo dos cheiros, da invenção dos sons. Dirá ela bom dia como qualquer um? Por exemplo: olhará ela para os olhos ao brindar com aguardente? Talvez o fato de não saber de nada seja o único fato que permita perguntar a esmo, delicadamente.

Cansado. Cansadíssimo. Ontem mesmo, não consegui entrar na casa. Incomodava muito o fato de que a fantasia poderia ser estraçalhada a qualquer minuto, então seria tomar um café, enrolar um cigarro em papel propício, falar sobre influências, desejos de amor e paz. Girar em espiral pode se tornar extremamente perigoso a partir do momento em que não se reconhece mais nenhuma outra estrutura mais objetiva entre dois seres humanos. Estarei eu prestes a me tornar um personagem de Cortázar, que gira em torno da fera conforme os quartos vão se apequenando? Terá se tornado um vício fazer perguntas sem desejar qualquer resposta, ou pior, sabendo que no fundo qualquer resposta limitaria imediatamente o interesse por qualquer pergunta?

Dormi ontem, enfim, no
hall de entrada, não consegui dar o passo, quebrar a espiral. Estou a pele e osso, mal consigo raciocinar. Funciono pelos cheiros, pelos objetos, pelas escolhas do espaço ocupado. Que modo terá ela de ajeitar o cabelo no topo da cabeça, enquanto morde a língua e se concentra para, por exemplo, manusear um estilete?

Olharei pela fresta antes de entrar. Melhor que isso: dormirei para sempre no corredor. Não posso vê-la, seria um suicídio, estabeleci regras morais iminentes, que me arrancam dos pés o movimento fulminante. Ver demais seria um crime premeditado, preciso ser um detetive honesto. O bom detetive não vai pelo caminho mais fácil, vai pelo caminho mais amplo. Repito para mim mesmo a frase vinte e cinco vezes. Há um espelho no corredor e, para minha surpresa, já não sou mais eu mesmo diante do espelho. Reparo que ganhei certa espessura na barba, os olhos se descoraram em cinza, cresci muitos centímetros. Os ossos estalam por dentro da pele e sinto ganas de tomar um chimarrão. De repente falo belga, francês, ouço jazz, brinco com soldados de chumbo num pátio imaginário. Vou virando, em suma, bem mais Julio Cortázar do que eu mesmo. “E que surpresa ela não terá”, penso, “quando olhar para mim e souber que escrevi seus mais ternos sonhos, quando reparar que o nosso não-encontro violou minhas antigas feições, que sou o mestre samurai, o anti-herói tímido da literatura castelhana?”.

Sinto que um desfecho seria pôr, demasiadamente cedo, tudo a perder. Preciso funcionar dentro dessa nova moral inaugurada, o que significa, acima de tudo, não vê-la jamais, para poder pensar nela e, conseqüentemente, em mim. Precisamos, afinal, agir de acordo com a angústia de não ser possível saber. Mas saberei dela pela água nas plantas, saberei dela por uma máquina de escrever, saberei dela pela janela entreaberta, saberei um cacto, os livros de arte, saberei os objetos. Transformar tudo numa busca material sem precedentes, e tudo ficará tranqüilo por um instante, e poderei dormir como se, não a conhecendo, pudesse me colocar em estado de igualdade com ela, já que não conheço também a mim, nem muito menos a Julio Cortázar.



leonardo marona








7, Rue de l'Essai



- Como disse?

- Bolchkins, o excêntrico, sou eu!

- Parece-me que se torna insolente - disse a telefonista.














COISAS HABITADAS









mail.jpg

LAREIRA - o desenho do poema

Beeple



watch the american housing market spiral out of control.








subprime from beeple on Vimeo.

Merzbau





































"Somente através do conhecimento filosófico se revela a ordem correta de nossas tarefas e assim o valor e dignidade de nossa existência." MIES, 1927





"Objeto-tipo"

Logo Mies inicia sua investigação em torno do Existenzminimun visando a otimização de tipos standartizados de moradias para famílias operárias.
A aprimoração de Mies visava a idéia de "individualizar um sistema", isto é, operar com poucas variáveis ligadas entre si para obter resultados completos e diversos: construtivos, espaciais e estruturais.
Se estudamos as dimensões desses projetos todos aproximam-se de 200 e 300 metros quadrados, somando os pátios, aproximam-se de 1000 metros.
As casas-pátios, como exercícios abstratos, e projetadas sem cliente são desprovidas de um programa familiar. E Mies, querendo trabalhar o máximo de abstração sobre a habitação, se nega a pensar em termos "familiares". Renuncia-se a pensar em programas convencionais completos, elementos representativos de privacidade e exigências morais embutidas.
Em nenhum desses estudos as tipologias possuem mais de um dormitório, mais precisamente, nenhuma possui mais que uma cama. Na verdade, não existe um espaço enclausurado, um "cômodo" que possa denominar-se dormitório. O espaço organiza-se de forma contínua com interrupções onde estão móveis e objetos. Essas "interrupções" são planos que sutilmente indicam as funções a serem executadas no local. Nesse momento, Mies van der Rohe já dava início a discussão sobre continuidade e conectividade, o questionamento de como viveria o homem moderno se visasse atender unicamente sua individualidade.
Investigação Miesiana X Tirania igualitarista do "objeto-tipo"
= Casa com três pátios de 1934
Apesar do caráter contínuo, os espaços e seus usos se distinguem com clareza. Sua distribuição é relativamente funcional, os espaços adequados, a cama com dimensões generosas.
Se considerassemos duas dimensões, dificilmente imaginaríamos que seu usuário seria uma pessoa única. Assim como, não imaginaríamos que os muros ali presentes não pretendem servir de limites para o lote, nem para criar ali um microclima. Os muros estão para criar um ambiente de privacidade, para ocultar o habitante da moradia, para permitir que se desenvolva dentro da casa uma vida profundamente livre, livre de toda moral, distante de qualquer coersão social ou policial.




ÁBALOS, Iñakis. La Buena Vida. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001. 208 p.




Amar:


Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...


O amor é quando a gente mora um no outro.










another collar, another dollar


os sonhos que a gente leva pra casa

Deus e o Diabo no Liquidificador, Cerebro Eletronico from juliana mundim on Vimeo.

De déménagement en déménagements, certains objets me quittent, d'autres restent.
C'est cette fois le moment d'un autre départ.
Descend à la cave.
Remonte avec une échelle.
A chaque endroit, l'échelle me suis, elle habite mes différentes maisons autant que les livres, plantes et amis, peuvent en stimuler la vie.
Portée à l'horizontale, elle traverse sur mon épaule la ville.

Métro.
Pas de place pour la verticale, ni même pour l'horizontale, je dois la soulever au dessus de la tête des passagers.
Elle est quasi toujours le premier élément qui prend place dans un nouvel espace.

Je me rappelle d'un jour, où en chemin, on m'a offert une pousse de Baobab, l'arbre à palabre, que j'ai gardé dans ma main tout le long du trajet. Déraciné. Des heures de voyage.
Replanté.
Quelques feuilles de jours en jours.
Et puis je suis partie à nouveau.
Déménagement ponctuel, pour quelques mois, un moi.
Ecrasé dans le camion de la "collectivité" il ne s'en est pas remis.
Il a séché.
Je l'ai entaillé puis l'ai remis à la mer.
Quelques temps après, je suis allée dans les bois, la nuit. Là j'ai retiré mes chaussures et ai enterré mes pieds quelques instants.
Fraicheur de la terre.
Et j'ai chanté doucement.
Sans durée.

carregando....

s/título e s/data - waléria américo e yuri firmeza