Revista Virtual Astro-Lábio de Arte & Literaturas 2ª edição_
Casa e suas adjacências – jardim, muro, mobiliário, caracol, tapete, cozinha, etc.

BLOG DO PROCESSO

DIÁRIO POLIFÔNICO
CASA EM OBRAS

build


It's build a house where we can stay
Add a new bit everyday


It's build a road for us to cross
Build us lots and lots and lots and lots and lots

Fwd: Sobre as casa



Luciana Paiva
09:14 (53 minutos atrás)

para mim
---------- Mensagem encaminhada ----------
Data: 5 de novembro de 2011 13:05
Assunto: Sobre as casas



Então um pedreiro veio para frente e disse: "Fala-nos das casas".
E ele respondeu dizendo:
Construí em vossas imaginações uma choupana no mato antes de construirdes uma casa dentro das muralhas da cidade.
Pois assim como tendes regressos ao crepúsculo, também os tem o viajante dentro de vós, sempre distante e solitário.
A vossa casa é vosso corpo maior.
Cresce ao sol e dorme na quietude da noite; e não é desprovida de sonhos. A vossa casa não sonha? E sonhando, deixa a cidade pelo bosque ou colina?
Pudesse eu juntar as vossas casas na minha mão, e como um plantador espalhá-las pelas florestas e pelos prados.
Puderam os vales serem vossas ruas, e os caminhos verdejantes vossas vielas, que procurásseis uns aos outros pelos vinhedos, e chegásseis com a fragrância da terra em vossas roupas.
Mas essas coisas ainda estão por acontecer.
Em seu medo vossos antepassados vos ajuntaram muito próximos uns dos outros. E esse medo há de perdurar por mais algum tempo. Por mais algum tempo as muralhas de vossa cidade hão de separar vossos lares de vossos campos.
E dizei-me, povo de Orfalés, que tendes vós nessas casas? E o que guardais com portas trancadas?
Tendes paz, o anseio calmo que revela vosso poder?
Tendes recordações, os arcos cintilantes que se estendem por sobre os cumes da mente?
Tendes beleza, que leva o coração das coisas talhadas em madeira e pedra para a montanha sagrada?
Dizei-me, tendes isto em vossas casas?
Ou tendes apenas conforto, e desejo de conforto, essa coisa furtiva que entra em vossa casa como convidado, se torna anfitrião, e depois mestre?
Ah, e se tranforma em domador, e com laço e açoite faz marionetes dos vossos desejos maiores.
Embora suas mãos sejam sedosas, o seu coração é de ferro.
Embala-vos no sono apenas para ficar junto de vossa cama e zombar da dignidade da carne. Faz escárnio de vossos sentidos sãos, e os deposita nas plumas do cardo como frágeis embracações.
Em verdade o desejo de comforto assassina a paixão da alma, e depois caminha sorrindo no funeral.
Mas vós, filhos do espaço, vós inquietos em repouso, não heis de ser fisgados nem domados.
Vossa casa há de ser não uma âncora mas um mastro.
Não há de ser uma película reluzente que cobre uma ferida, mas uma pálpebra que guarda o olho.
Vós não heis de dobrar vossas asas para passardes pelas portas, nem curvar vossas cabeças para que não batam no teto, nem temer respirar possam as paredes racharem e desmoronarem.
Vós não heis de habitar túmulos feitos pelos mortos para os vivos.
E embora de magnificência e esplendor, a vossa casa não há de deter vosso segredo nem abrigar vosso anseio.
Pois aquilo que é ilimitado em vós reside na mansão do céu, cuja porta é a névoa da manhã, e cujas janelas são as canções e silêncios da noite.



(Khalil Gibran, O Profeta)

Curto Circuito (1979)







Um homem foge sem que saibamos a razão. Na versão instalativa, realizada em 2007, e apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, as imagens dele fugindo são dispostas em campo/contra-campo (na verdade o filme não possui contra-campo), gerando a nítida impressão que ele foge de si mesmo. Em uma tela ele foge de carro e quando sai do carro começa a correr e vice versa. Cada filme contém as duas partes, a fuga em carro e a fuga à pé. A estrutura da instalação é topológica, como na banda de Moebius.





http://vimeo.com/julianamundim

AR

 







 

 

Sofia De Grenade

El sur








 

Sofia De Grenade




La Salle Blanche, Marcel Broodthaers,1969

fahrenheit



" Nos maisons se transforment progressivement en studios de télévision, pleins d'équipements électroniques-caméscopes, magnétoscopes, chaines stéréo de pointe-conçus pour faire de nous la vedette, le scénariste, le réalisateur de notre propre mini-drame permanent. La réalité se transforme en un film amateur dans lequel une version infantile de nous-mêmes traverse en courant un jardin à la pelouse artificielle" J.G.Ballard.


I must make more maps




This is a dark house, very big.
I made it myself,
Cell by cell from a quiet corner,
Chewing at the grey paper,
Oozing the glue drops,
Whistling, wiggling my ears,
Thinking of something else.








<Clica pra ver maior. É um filme sobre um tema tão batido quanto necessário. Mais um filme sobre isso. Nesse caso, aqui, não é sobre esse tema que quero linkar, é mais para abrir o conceito de casa>
Vou tentar a desistência. 
Vou sentar aqui, 
ficar sem ir e esperar 
por mim que vem atrás.


Capinam 

"A Casa é o Corpo: Labirinto"


penetração, ovulação, germinação e expulsão.




  

 

 

Lygia Clark

1968. MAM - RJ 

homesick



every day there's a boy in the mirror

asking me
what are you doing here
finding all my previous motives
growing increasingly unclear





but there's only one thing on my mind
searching boxes underneath the counter
on a chance that on a tape I'd find

a song for
someone who needs somewhere
to long for

Em seu último dia no Rio de Janeiro, Juruna passa o dia na casa de Flora.

http://vimeo.com/28282202
Casa: 1. Edifício destinado, em geral, a habitação. 2. Lar, família. [...]

Lar: 1. A parte da cozinha onde se acende o fogo. 2. Lareira. 3. A casa de habitação. 4. A família. 5. A pátria.

Habitação: 1. Ato ou efeito de habitar. 2. Lugar ou casa onde se habita; morada.

Habitar: 1. Ocupar como residência; residir. 2. Tornar habitado. Habitável.

Hábito: 1. Disposição adquirida pela repetição frequente dum ato, uso, costume.

Residência: Domicílio.

Domicílio: Casa ou lugar onde se reside; residência.

Abrigo: 1. Lugar que abriga. 2. Agasalho que protege do mau tempo. 3. Cobertura, teto.

Cabana: 1. Habitação precária e rústica; choupana. 2. Casebre.

O Habitante de Pasárgada - Manuel Bandeira

Arquitetura “O QUE SIGNIFICA HABITAR?”


1. A palavra casa

Entendo a pergunta “o que é arquitetura” como a mesma, “o que significa habitar[1]”.

A pergunta “o que significa habitar?” é o nome do ensaio. Talvez possamos entender o nome por a casa da coisa que ele nomeia. Nome como parte de uma construção humana que abriga as coisas. Entretanto, creio que não há o que seja conhecido ou desconhecido pelo homem que esteja fora dele[2] . Podemos dizer então que (o nome) essa construção que abriga as coisas, na verdade, abriga o homem ao fazê-lo.

Acredito que a casa que o homem constrói para as coisas provém de sua necessidade de dar sentido à elas. Assim, a casa que o homem constrói para as coisas é a casa que constrói para si. Os objetos, as paredes só são casa na medida em que se dá este significado para eles.

Nos acostumamos a chamar de casa o lugar onde dormimos, ou o edifício que nos envolve em teto e paredes, este não pode ser o único entendimento.Como arquiteto, preciso pensar na amplidão de seu significado para construir uma boa casa.

Quando um caminhoneiro está na estrada ele está em casa, de maneira semelhante a quando ele está na construção de tijolos e telhas que chama “casa”. Esta, fica talvez numa cidade só e tem paredes, mulher, filhos, cozinha, porta. Não é a mulher e os filhos ou as paredes e o telhado que fazem deste lugar uma casa. Tudo isso pode mudar e o caminhoneiro pode chamar de casa um edifício totalmente distinto, mesmo sem a presença de sua família. Como já chama de casa a estrada. Como Vilanova Artigas já dizia: “A casa não termina na soleira da porta.”

Existem, com certeza, múltiplas casas na vida de uma só pessoa. É indubitável, também, que mudamos de casa de quando em quando. Por vezes saímos de uma casa e partimos para outra, dizemos: estou me mudando. Por vezes as casas são abandonadas, destruídas, reformadas , etc.

Quando você muda de casa, deve estar construindo uma casa. Esta espelha aquela que já se habita em si mesmo. A procura/construção de uma nova casa se faz necessária porque não podemos antes disso saber como vamos morar. Por isso vai se construindo na medida em que se procura, estabelecendo uma nova casa. Mesmo que não coloque tijolos, está construindo uma casa com as suas escolhas. Usa toda sua capacidade como homem. Usa todo o seu ser para isso.

Uma nova casa sempre tem as antigas contidas nela. Vivendo, habitando, sempre estamos construindo a nossa casa. Reproduzimos o abrigo que é o corpo para o nosso ser num abrigo para o nosso corpo. O primeiro abrigo é o ventre materno. Sempre há uma reminiscência destes abrigos primordiais e dos abrigos antigos na construção de nossas casas. Pode-se dizer que construímos de certa maneira uma casa continua. O homem constrói uma casa continua durante sua permanência sobre a terra. A casa de nossos ancestrais, sua vida, seu habitar, sua permanência sob o céu e sobre a terra, está contida na nossa casa.

Será que podemos pensar a casa física como invólucro, que o homem dá início à sua vida de casa ao morar? Creio que não. Se as construções são a maneira como o homem habita, então mesmo a casa sem morador é habitada. Assim como um vaso exposto num museu, seu uso comum desapareceu, mas ele ainda é um vaso.  Ou podemos pensar nas casas famosas como A casa da cascata de Frank Loyd Wright, hoje ninguém mais mora lá. Ela ainda é uma casa. Mesmo uma casa abandonada ou um vaso quebrado. Talvez elas só estejam vivas porque são o abrigo de uma coisa a qual o homem deu determinado significado de vaso e de casa.

Um edifício vazio não está morto, isso porque a finalidade da construção é o habitar do homem. Mesmo o pior dos edifícios da arquitetura é habitado porque é uma construção. Habitar não significa que a arquitetura é boa, ou má. Penso habitar como a finalidade da arquitetura.
Um arquiteto pode construir uma casa se ele morar nela, mesmo na sua idéia, no projeto. O marceneiro tem que ser madeira para fazer seu trabalho, ele habita a madeira, a madeira é a casa do marceneiro. Assim, penso que a casa é a casa do arquiteto.

São os habitantes das casas que às constroem. A casa que o arquiteto constrói existe por si, mas a casa habitada por outrem é outra. A casa construída(habitada) pelo arquiteto tem vida e é impregnada de uma aura de “casa”. A maneira como um morador virá a habitar esta construção se relaciona intrinsecamente à maneira como a casa foi construída pelo arquiteto. Entretanto, este morador com certeza construirá uma nova casa enquanto habitar este lugar.

Sobre a casa construída pelo arquiteto: gosto de pensar no controle descontrolado ou descontrole controlado. Porque somente nesse equilíbrio – no embate com a realidade, essa compreensão de uma incompletude desejável – acredito que o arquiteto se envolve com o espaço da vida que aí vai acontecer. É uma questão de deixar o espaço aberto para o inesperado, o incontrolado. Só assim, no que está velado, pode haver uma desejada abertura para o sagrado. A minha intenção como arquiteto para além de desenhar um abrigo físico, é antes, habitar o mundo.


2. Arquitetura limiar

Ciganos carregam sua casa, que é como uma mala que tem todas as suas coisas, e se movem por vários lugares. O inventário de objetos que constitui a moradia dos ciganos está totalmente impregnado do sentido de casa. A casa pode estar nos objetos mas não é eles. Ela pode prescindir totalmente de objetos, ou, como no exemplo dos ciganos, eles podem trocar os objetos que possuem por outros e continuar tendo sua casa. Os objetos são muito importantes para eles todavia, porque estão impregnados do que é a sua casa.

Nômades põem uma força muito maior nos objetos por não terem lugar fixo. Nós transferimos essa importância para as paredes. As coisa estáticas.

Mesmo em casos limiares da arquitetura. Lembro da mulher que mora na rua General Jardim, sua casa é um ponto que ela elegeu, embaixo de uma pequena marquise. Ela usa a cidade que está construída ali, aquela parte, aquela rua. Ela se fixou ali. Impregna aquele lugar com um sentido de casa.

Uma pessoa que não se fixa não vai impregnar tanto as coisas paradas. Vai preferir impregnar as coisas que ela pode levar com esse sentido de casa.

Deixamos os lugares impregnados de nós mesmos. A casa do homem é o que está impregnado de homem.

3. O nome e a casa

A pergunta “o que significa habitar?” é o nome do ensaio.Talvez possamos entender o nome por a casa da coisa que ele nomeia. Nome como parte de uma construção humana que abriga as coisas. Entretanto, creio que não há o que seja conhecido ou desconhecido pelo homem que esteja fora dele. Podemos dizer então que (o nome) essa construção que abriga as coisas, na verdade, abriga o homem ao fazê-lo.

O nome é a casa da coisa. Quando se nomeia uma coisa, se está impregnando ela, construíndo um sentido. Um nome exige uma construção. Um nome é uma construção. O que quer que seja, muda totalmente quando você o nomeia.

Por que o homem tem necessidade de nomear as coisas? Acredito que isso tem a ver com o habitar.
Habitar é uma condição do Homem. Está habitando enquanto pairar sobre o mundo. Não uma pessoa, o Homem, que não tem tempo e espaço mais restritos.

O Homem dá nome para as coisas pra se proteger delas. Ou proteger elas, mas protegê-las é uma projeção. Elas estão dentro do Homem. Assim, acredito que nomear as coisas é um dos instrumentos da habitação mais ancestrais. Nomear as coisas é construir uma casa para o Homem.

Outro dia uma colega de classe me contou uma história. Seu filho havia enfileirado no chão todos os seus brinquedos desenhando um limite. Desenhou também com essa linha de brinquedos uma porta e disse à mãe: “Entra na minha casa.”

4. Epistemologia da Arquitetura – Pensar sobre o que é arquitetura é pensar sobre a relação da coisa construída com seu espírito.

Homem, habitar, sob o céu e sobre a terra, construir, casa, limite, proteção, sentido.



 


[1]  Penso habitar, baseada na minha leitura do texto “Construir, habitar, pensar” do filósofo alemão Martin Heidegger, como a finalidade da arquitetura. Nessa conferência, Heidegger diz: “Parece que só se pode habitar o que se constrói. Este, o construir, tem aquele, o habitar, como meta. Mas nem todas as construções são habitações. Uma ponte, um hangar, um estádio, uma usina elétrica são construções e não habitações; A estação ferroviária a auto-estrada, a represa, o mercado são construções e não habitações. Essas várias construções estão, porém, no âmbito de nosso habitar, um âmbito que ultrapassa essas construções sem limitar-se a uma habitação. (…) Habitar seria, em todo caso, o fim que se impõe a todo construir. (…)Construir é propriamente habitar. ”

[2]Peter Zumthor diz na conferência “Atmosferas” : “ me vem a cabeça esta famosa frase inglesa que remete a Platão: ‘The beuty is in the eye of the beholder’, é dizer: as coisas estão dentro de mim.”


ANA NEUTE E RAFAEL CHVAICER 






http://atelierdocentrores.wordpress.com/arquitetura/






A Casa de férias (O Senhor Valéry e a lógica, Gonçalo M Tavares)

curioso


Photos From Around the World of Families and Their Possessions


http://flavorwire.com/205437/photos-from-around-the-world-of-families-and-their-possessions/2

heaven and earth




I enjoy the simple pleasures of wellbeing,
independence, opportunism,
eating, dreaming, happenstance,
of passing through the land
and sometimes leaving (memorable) traces along the way,
of finding a new campsite each night.
And then moving on.





Morro Azul


O terreno era curvo e repleto de inclinações. O primeiro que me vem à cabeça é o pé de graviola. Graviola não, acerola. As frutas enormes juntavam passarinhos ao redor do pé. Me lembro também do milharal perto da quinta, da vertigem de montar pela primeira vez, e depois o mato e as framboesas pelo caminho.

Uma vez um raio caiu dentro da casa. E digo “da casa” e não “de casa” porque a casa não era minha. Vi do corredor. Caiu no banheiro e ela dentro. Ela no banho e de repente um clarão. Parece mentira, mas o banheiro tinha justo o espaço do raio e da criança – um do lado do outro entre os ladrilhos brancos. E foi tão rápido e barulhento que ela saiu surda e cega – nós ali olhando sem dizer nada, a casa vazia. Ela veio do banheiro sonâmbula, foi pra cama, se cobriu dos pés à cabeça e ficou lá no casulo. No dia seguinte já não se lembrava. No dia seguinte foi ela que nos tirou dali.

Era uma menina de sardas e cabelos encaracolados. Família da Tijuca, ele do Leme, eu da Gávea. Me lembro uma vez apostamos quem ia conseguir dar um beijo nela primeiro. De repente era de noite, eu num dos quartos lia a história do Saci pra outra criança quando a porta : posso entrar? O arrepio foi ver ela vir ouvir a história do meu lado. Ela já tinha peitos e eu estava quase encostando. Mas logo no final, quando a criança já dormia, ele entrou dizendo que tínhamos que ir, que ele tinha visto um fogo voando no meio do jardim. Eu sabia que não veríamos nada além de vagalumes, mas me levantei mesmo assim, talvez até aliviado enquanto ele sorria esperando com a mão na maçaneta.


***


E na volta o resto do dia nos fundos, diante da porta brincando com as antenas, ainda que o medo das Vermelhas. 1956. Era quinta-feira de lava-pés quando o príncipe disparou no seu irmão caçula. Detrás da casa a pistola era presente do Franco – o tiro entre as sobrancelhas não se sabe se acidente. O morro apinhado de formigueiros de onde a trilha até o chão da área. As Marias Pretinhas (ou Vagabundas) tinham desenhado uma linha invisível com várias camadas de feromônio – versão obreira sem asa do Caminho de Santiago. E com pinças e fósforos raptávamos duas, deitávamos antenas fora, e emborcávamos um pote de vidro sobre elas. Encerradas no Coliseu não se reconheciam. Sem as antenas não podiam se cheirar, e se tocavam sem se tocar, se estranhavam, e começavam a luta. Cortavam as patas uma da outra, uma por uma, às vezes se suspendiam no ar, e ganhava a que tivesse mais membros no final – a não ser que surgisse uma tão forte que logo zás! cortava a cabeça da outra. Depois escurecia e os restos eram classificados. De um lado as cabeças, do outro corpos, patas e finalmente antenas, tudo amontoado em cemitérios de formigas e ao lado o pote vazio que refletia agora uma luz artificial.


***


Cavo ainda mais fundo e surge algo embaçado. Uma casa de pau-a-pique no meio da estrada mais acima, um morro, uma velha senhora falando kimbundu, uma dinda esclerosada que já ninguém prestava atenção ninguém tinha –, aquela imagem queimando no cachimbo. Ela sentada olhando de cima pro nada – nada?, falando lé com cré – nada de nada?, como é que será que morreu – será que morreu?

gavetas








casa minha casa
tanto que te quero ter
fumar um cigarro Plaza
e depois morrer

(primeiro verso de um poema que fiz aos nove. ainda me impressionam o peso e a consciência que as crianças têm.)






This place needs me here to start
This place is the beat of my heart





the garden





And I have seen her there within
her house,






.






She would like some one to speak to her,
And is almost afraid that I
will commit that indiscretion.


Uma idéia de museu








http://www.forumpermanente.org/



Romana, nascida em 1914, Lina teve toda a sua formação no que podemos chamar era do fascismo: na infância, como "balila" de Mussolini; na juventude universitária e como arquiteta recém formada - durante a guerra - como membro da resistência comunista.
A guerra foi a marca que carregou durante toda a sua vida, e de onde tirou, continuamente, forças para enfrentar dificuldades, derrubar barreiras, e pensar que a vida é vida sempre por um fio, e que portanto só se deve pensar e fazer aquilo que é fundamental, imprescindível, vital. Daí Lina tirou seu profundo senso objetivo e poético ao mesmo tempo.
Em 1946, casa-se com o marchand, crítico de arte, jornalista e polemista, P.M.Bardi, e embarca para o Brasil numa viagem de passeio.
Lina já conhecera, na escola de arquitetura, os projetos modernos dos brasileiros Lúcio Costa, Niemeyer e grupo, sobretudo o Ministério da Educação e Saúde, com a participação de Le Corbusier, e o Conjunto da Pampulha, de Niemeyer: - "Era fascinante e novo, livre. Rompia com a rigidez racionalista", dizia ela.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o casal Bardi é convidado por Assis Chateaubriand, magnata das comunicações e grande realizador, a ficar no Brasil para criar um Museu de Arte, que acabou sendo fundado em São Paulo.
Lina fica fascinada com a arquitetura que florescia com liberdade, com a paisagem tropical, com o verde, com um país que não tinha ruínas, nem as da guerra e nem as históricas. Impregnada de entusiasmo, vinda de uma Europa destruída pela guerra, assim refletia sobre um museu no Brasil:
"Um recanto de memória? Um túmulo para múmias ilustres? Um depósito ou um arquivo de obras humanas que, feitas pelos homens para os homens, já são obsoletas e devem ser administradas com um sentido de piedade? Nada disso. Os museus novos devem abrir suas portas, deixar entrar o ar puro, a luz".
Sem abrir mão da formação racionalista (defensora ferrenha do movimento moderno), com sua enorme erudição, Lina mergulha no mundo brasileiro para projetar um museu nos trópicos, para um povo novo, mestiço “sem o peso e as amarras do passado”- costumava dizer.
Com esse ideário nasceu o Museu de Arte de São Paulo. Primeiramente num antigo edifício do centro da cidade reformado por Lina e, posteriormente, em sua atual sede, à avenida Paulista.

Do primeiro Museu, na rua 7 de Abril, ao segundo, definitivo, Lina , com um projeto arquitetônico revolucionário, leva a cabo suas idéias sobre museus, desde a organização dos espaços até a maneira de expor.
O edifício do Museu de Arte de São Paulo é um marco da arquitetura moderna brasileira e, como tal, deve ser discutido. Mas creio que, hoje, discutir sua relação com a cidade, com o espaço em que está inserido e seu significado simbólico para a população paulista - e porque não, brasileira - é mais importante do que fechá-lo no discurso arquitetônico, muitas vezes hermético e inócuo.
No Brasil, a grande maioria de nossas cidades ainda carecem de um mínimo básico de conforto urbano, no amplo significado do termo. São cidades ofendidas e maltratadas. Não temos transporte público adequado, habitação, áreas públicas, parques, áreas verdes, praças, espaços de encontro; enfim, não temos planos urbanos nem de longo e nem de médio prazo.
É no contexto dessas carências que devemos analisar o significado de certos projetos pontuais: sua capacidade transformadora no ambiente urbano e sua capacidade de mudar mentalidades. A importância do MASP fica muito mais evidente se o consideramos na ótica da cidade caótica que é São Paulo. Quando digo MASP, digo não somente o edifício, mas o programa do museu como um todo.
Arquitetura, para Lina Bo Bardi, era o meio concreto de agir sobre a realidade, de revelar, criar ou modificar contextos. A arquitetura do MASP é, para além do edifício, uma idéia de Museu.
Com uma importantíssima coleção de arte, implantado num dos pontos mais importantes da cidade, o museu representa um oásis em meio ao deserto arquitetônico que o circunda, salvo 4 ou 5 edifícios em toda avenida Paulista. Oásis também por acentuar o vazio - o espaço livre e democrático do Belvedere, acessível a todo cidadão, rico ou pobre, suprindo assim uma de nossas maiores carências: a falta de espaços públicos; Oásis por sua baixa taxa de ocupação e sua implantação adequada à topografia, ao contrário de todos os outros edifícios da rica avenida Paulista: os grandes bancos, grandes empresas, enormes edifícios agarrados ao solo, cercados de grades, sem um metro quadrado de espaço público.
As cidades são representadas não somente, mas principalmente, pelos seus edifícios. O edifício do Museu foi eleito pelos cidadãos de São Paulo como um de seus símbolos máximos: a imagem que escolhemos para nos representar. Isso não é pouco. A arquitetura que fica para contar ou testemunhar a história da humanidade é aquela que mantém algo de sagrado, no sentido de respeitável, de depositário de crenças, devoção, ou representante do imaginário de um povo: símbolo de uma gente, de uma época. E o MASP é isso. Dentro dessa cidade de vida dura e opressiva, a população elegeu uma imagem que é, em grande parte, o seu avesso, uma imagem que representa a esperança em uma cidade mais humana. Esse corpo estranho na gigantesca cidade é o ponto de referência para os encontros mundanos e cívicos, para namoros e protestos políticos - como por exemplo, na recente derrubada de um presidente da república. A arquitetura revolucionária de Lina Bardi não só foi aceita, mas adotada pela população de São Paulo. E com muito carinho.

Dito isso, podemos circundar e adentar o edifício.
Situado em um terreno com 4 frentes, o edifício não tem fachada principal. Quem o vê pela Avenida Paulista não pode imaginar que ele se duplica no subsolo, criando a surpreendente fachada oposta, de uma construção em terraços e jardineiras, ancorada na encosta, com a vista para o vale da Avenida Nove de Julho. É a quebra da dureza do objeto suspenso – o corpo superior, tenso, que desafia a gravidade. Entre estes dois corpos, o grande vazio que parece sustentar acima a grande caixa e comprimir para o subsolo o corpo inferior do museu.
Do ponto de vista da química, isto seria algo como uma enorme diferença de pressão, onde o gasoso é capaz de isolar dois sólidos. Como se trata de pura arquitetura, onde técnica e poesia se aliam, é o desafio, a ousadia humana que lá está. A conquista do “nada”, como dizia Lina, ou o desejo de liberdade. Lina sempre se referia ao comentário do compositor John Cage quando viu pela primeira vez o MASP: “É a arquitetura da Liberdade !”.
Essa busca de liberdade, ou o desafio de sua procura, continua em cada espaço, cada gesto do projeto do museu. Ao descermos ao subsolo, como em uma estação de metrô, ao invés da escuridão, da falta de ar, encontramos a luz, cristalina, filtrada pelo verde das floreiras, e a vista livre sobre o vale. Isso se deve à inteligente e bem acertada implantação do edifício na paisagem, como já me referi anteriormente. Saber tirar partido do contexto, seja ele físico ou abstrato, sempre foi uma das qualidades de Lina Bo Bardi, que gostava de citar F. L. Wright: “em todo projeto, as dificuldades , as limitações são nossos maiores amigos, são as dicas para as boas soluções”.
Ainda no subsolo do edifício, os auditórios são inovadores em termos de aproveitamento e desenho do espaço. O menor, com os assentos inclinados na diagonal do quadrado, e o maior, com seus palcos laterais, seu despojamento e versatilidade, que permitem os múltiplos usos que os espaços cênicos contemporâneos tanto necessitam.
Os espaços do Museu são espaços amplos, abertos, de refinada simplicidade, que suportam todo tipo de intervenção nas exposições, guardando sempre o ar de liberdade da boca de uma grande caverna.
Se subimos do nível da Avenida Paulista, do enorme vão livre, para a caixa suspensa, encontramos ainda aí e com força total, a vontade de liberdade: um grande “oceano de pinturas”. Os quadros se libertam das paredes e flutuam em cavaletes de concreto e vidro utilizados como suporte/ expositor: lembrança do cavalete do atelier do artista, que mostra o verso, as costas da tela, muitas vezes com preciosas anotações. O nome do quadro e do autor também ficam nas costas, para que o público não se sinta obrigado a gostar deste ou daquele quadro, apenas pelo nome do autor. "Oh! É um Picasso! Lindo!". Não, o espectador é livre para gostar ou não, e também para criar as relações que quiser dentro deste verdadeiro "varal" de pinturas de várias épocas. Em visita ao MASP, o arquiteto holandes Aldo van Eyck perguntou: “Quem sabe qual é o melhor fundo para um Cézanne? Branco, cinza, rosa? Eu poderia achar que é um El Greco, ou um Goya”..
Um museu sem paredes. Lina citava Maiakovski: “Chegou a hora de jogar as pedras, os projéteis e as bombas nas paredes dos museus”.
Uma grande família de artistas que não são separados, nem no tempo – na classificação ocidental da arte – e nem no espaço. Convivem bem e, se pudéssemos perguntar, certamente teríamos um Picasso orgulhoso de ter ao seu lado um Goya. Ou um Matisse que divide o espaço com um Rafael. Só a América, o Novo Mundo, poderia admitir uma coleção exposta desta maneira. No Brasil, mistura de Europa Ibérica, África e Oriente - no que herdamos dos índios -, podemos ousar novos caminhos que não o eurocêntrico.

Queremos sim todas as conquistas tecnológicas, científicas e culturais do Ocidente, mas as utilizaremos ao nosso modo. Assim é o museu: a técnica de ponta, as conquistas da arquitetura moderna, a importante coleção de arte ocidental, a serviço de uma visão nova de Museu. Um museu que, ao ser pensado, concebido e projetado, leva em conta a cultura brasileira no que ela pode ter de mais belo: a vontade de ser livre, o combate à submissão e às regras importadas.
É o Museu descolonizado. O Museu do Novo Mundo, que luta contra o complexo de inferioridade, nossa pior herança da colonização e da escravatura.
Esta é a idéia de museu que nos interessa. Uma idéia força, veículo portador de um desejo, de um sonho materializado em forma, a serviço do Homem e das relações humanas.
Talvez, toda arquitetura assim o devesse ser.



Marcelo Ferraz

São Paulo - Setembro/99







Texto originalmente publicado em O Estado de S. Paulo, em 02/01/2004

Marcelo Ferraz é arquiteto e dirigiu, de 1992 a 2001, o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Atualmente trabalha no projeto de um shoping center que contém um grande teatro de estádio no Bairro do Bixiga, junto ao Teatro Oficina.


invento


. . . = R O M Ã










A M O R = M O R A



















[ she can never be sure ]



It used to be your town





It used to be my town, too


céu =
















Arquivo