1. A palavra casa
Entendo a pergunta “o que é arquitetura” como a mesma, “o que significa habitar[1]”.
A pergunta “o que significa habitar?” é o nome do ensaio. Talvez possamos entender o nome por a casa da coisa que ele nomeia. Nome como parte de uma construção humana que abriga as coisas. Entretanto, creio que não há o que seja conhecido ou desconhecido pelo homem que esteja fora dele[2] . Podemos dizer então que (o nome) essa construção que abriga as coisas, na verdade, abriga o homem ao fazê-lo.
Acredito que a casa que o homem constrói para as coisas provém de sua necessidade de dar sentido à elas. Assim, a casa que o homem constrói para as coisas é a casa que constrói para si. Os objetos, as paredes só são casa na medida em que se dá este significado para eles.
Nos acostumamos a chamar de casa o lugar onde dormimos, ou o edifício que nos envolve em teto e paredes, este não pode ser o único entendimento.Como arquiteto, preciso pensar na amplidão de seu significado para construir uma boa casa.
Quando um caminhoneiro está na estrada ele está em casa, de maneira semelhante a quando ele está na construção de tijolos e telhas que chama “casa”. Esta, fica talvez numa cidade só e tem paredes, mulher, filhos, cozinha, porta. Não é a mulher e os filhos ou as paredes e o telhado que fazem deste lugar uma casa. Tudo isso pode mudar e o caminhoneiro pode chamar de casa um edifício totalmente distinto, mesmo sem a presença de sua família. Como já chama de casa a estrada. Como Vilanova Artigas já dizia: “A casa não termina na soleira da porta.”
Existem, com certeza, múltiplas casas na vida de uma só pessoa. É indubitável, também, que mudamos de casa de quando em quando. Por vezes saímos de uma casa e partimos para outra, dizemos: estou me mudando. Por vezes as casas são abandonadas, destruídas, reformadas , etc.
Quando você muda de casa, deve estar construindo uma casa. Esta espelha aquela que já se habita em si mesmo. A procura/construção de uma nova casa se faz necessária porque não podemos antes disso saber como vamos morar. Por isso vai se construindo na medida em que se procura, estabelecendo uma nova casa. Mesmo que não coloque tijolos, está construindo uma casa com as suas escolhas. Usa toda sua capacidade como homem. Usa todo o seu ser para isso.
Uma nova casa sempre tem as antigas contidas nela. Vivendo, habitando, sempre estamos construindo a nossa casa. Reproduzimos o abrigo que é o corpo para o nosso ser num abrigo para o nosso corpo. O primeiro abrigo é o ventre materno. Sempre há uma reminiscência destes abrigos primordiais e dos abrigos antigos na construção de nossas casas. Pode-se dizer que construímos de certa maneira uma casa continua. O homem constrói uma casa continua durante sua permanência sobre a terra. A casa de nossos ancestrais, sua vida, seu habitar, sua permanência sob o céu e sobre a terra, está contida na nossa casa.
Será que podemos pensar a casa física como invólucro, que o homem dá início à sua vida de casa ao morar? Creio que não. Se as construções são a maneira como o homem habita, então mesmo a casa sem morador é habitada. Assim como um vaso exposto num museu, seu uso comum desapareceu, mas ele ainda é um vaso. Ou podemos pensar nas casas famosas como A casa da cascata de Frank Loyd Wright, hoje ninguém mais mora lá. Ela ainda é uma casa. Mesmo uma casa abandonada ou um vaso quebrado. Talvez elas só estejam vivas porque são o abrigo de uma coisa a qual o homem deu determinado significado de vaso e de casa.
Um edifício vazio não está morto, isso porque a finalidade da construção é o habitar do homem. Mesmo o pior dos edifícios da arquitetura é habitado porque é uma construção. Habitar não significa que a arquitetura é boa, ou má. Penso habitar como a finalidade da arquitetura.
Um arquiteto pode construir uma casa se ele morar nela, mesmo na sua idéia, no projeto. O marceneiro tem que ser madeira para fazer seu trabalho, ele habita a madeira, a madeira é a casa do marceneiro. Assim, penso que a casa é a casa do arquiteto.
São os habitantes das casas que às constroem. A casa que o arquiteto constrói existe por si, mas a casa habitada por outrem é outra. A casa construída(habitada) pelo arquiteto tem vida e é impregnada de uma aura de “casa”. A maneira como um morador virá a habitar esta construção se relaciona intrinsecamente à maneira como a casa foi construída pelo arquiteto. Entretanto, este morador com certeza construirá uma nova casa enquanto habitar este lugar.
Sobre a casa construída pelo arquiteto: gosto de pensar no controle descontrolado ou descontrole controlado. Porque somente nesse equilíbrio – no embate com a realidade, essa compreensão de uma incompletude desejável – acredito que o arquiteto se envolve com o espaço da vida que aí vai acontecer. É uma questão de deixar o espaço aberto para o inesperado, o incontrolado. Só assim, no que está velado, pode haver uma desejada abertura para o sagrado. A minha intenção como arquiteto para além de desenhar um abrigo físico, é antes, habitar o mundo.
2. Arquitetura limiar
Ciganos carregam sua casa, que é como uma mala que tem todas as suas coisas, e se movem por vários lugares. O inventário de objetos que constitui a moradia dos ciganos está totalmente impregnado do sentido de casa. A casa pode estar nos objetos mas não é eles. Ela pode prescindir totalmente de objetos, ou, como no exemplo dos ciganos, eles podem trocar os objetos que possuem por outros e continuar tendo sua casa. Os objetos são muito importantes para eles todavia, porque estão impregnados do que é a sua casa.
Nômades põem uma força muito maior nos objetos por não terem lugar fixo. Nós transferimos essa importância para as paredes. As coisa estáticas.
Mesmo em casos limiares da arquitetura. Lembro da mulher que mora na rua General Jardim, sua casa é um ponto que ela elegeu, embaixo de uma pequena marquise. Ela usa a cidade que está construída ali, aquela parte, aquela rua. Ela se fixou ali. Impregna aquele lugar com um sentido de casa.
Uma pessoa que não se fixa não vai impregnar tanto as coisas paradas. Vai preferir impregnar as coisas que ela pode levar com esse sentido de casa.
Deixamos os lugares impregnados de nós mesmos. A casa do homem é o que está impregnado de homem.
3. O nome e a casa
A pergunta “o que significa habitar?” é o nome do ensaio.Talvez possamos entender o nome por a casa da coisa que ele nomeia. Nome como parte de uma construção humana que abriga as coisas. Entretanto, creio que não há o que seja conhecido ou desconhecido pelo homem que esteja fora dele. Podemos dizer então que (o nome) essa construção que abriga as coisas, na verdade, abriga o homem ao fazê-lo.
O nome é a casa da coisa. Quando se nomeia uma coisa, se está impregnando ela, construíndo um sentido. Um nome exige uma construção. Um nome é uma construção. O que quer que seja, muda totalmente quando você o nomeia.
Por que o homem tem necessidade de nomear as coisas? Acredito que isso tem a ver com o habitar.
Habitar é uma condição do Homem. Está habitando enquanto pairar sobre o mundo. Não uma pessoa, o Homem, que não tem tempo e espaço mais restritos.
O Homem dá nome para as coisas pra se proteger delas. Ou proteger elas, mas protegê-las é uma projeção. Elas estão dentro do Homem. Assim, acredito que nomear as coisas é um dos instrumentos da habitação mais ancestrais. Nomear as coisas é construir uma casa para o Homem.
Outro dia uma colega de classe me contou uma história. Seu filho havia enfileirado no chão todos os seus brinquedos desenhando um limite. Desenhou também com essa linha de brinquedos uma porta e disse à mãe: “Entra na minha casa.”
4. Epistemologia da Arquitetura – Pensar sobre o que é arquitetura é pensar sobre a relação da coisa construída com seu espírito.
Homem, habitar, sob o céu e sobre a terra, construir, casa, limite, proteção, sentido.
[1] Penso habitar, baseada na minha leitura do texto “Construir, habitar, pensar” do filósofo alemão Martin Heidegger, como a finalidade da arquitetura. Nessa conferência, Heidegger diz: “Parece que só se pode habitar o que se constrói. Este, o construir, tem aquele, o habitar, como meta. Mas nem todas as construções são habitações. Uma ponte, um hangar, um estádio, uma usina elétrica são construções e não habitações; A estação ferroviária a auto-estrada, a represa, o mercado são construções e não habitações. Essas várias construções estão, porém, no âmbito de nosso habitar, um âmbito que ultrapassa essas construções sem limitar-se a uma habitação. (…) Habitar seria, em todo caso, o fim que se impõe a todo construir. (…)Construir é propriamente habitar. ”
ANA NEUTE E RAFAEL CHVAICER
http://atelierdocentrores.wordpress.com/arquitetura/
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